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09/07/2018

Cavalos do hipismo têm tratamento de atletas de ponta

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primeira Olimpíada a gente nunca esquece, principalmente quando ela é disputada em casa. É o caso do cavaleiro brasileiro João Victor Marcari Oliva, que compete nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro na categoria adestramento com o cavalo Xamã dos Pinhais, um dos puros sangues lusitano criados no haras de seu pai, Victor Oliva. Filho da ex-atleta Hortência, medalha de prata no basquete em Atlanta (1966), João está confiante. “Não vou ficar nervoso. Vou fazer o meu melhor e torcer para que tudo dê certo”.
Em Dortmumd, na Alemanha, ele intensificou os treinos com sela para não fazer feio em casa. Xamã é sua principal montaria desde quando comprou o animal, quatro anos atrás. Vem competindo com ele e ao seu lado conseguiu seus melhores índices, sendo um ouro no Sul-Americano de Hipismo no Chile em 2014, e bronze no Pan-Americano de Toronto ano passado.
Na coreografia olímpica, ele espera entrega total do cavalo. “Esse ano comecei a apertar um pouco mais o treinamento de alto nível com ele. As Olimpíadas exigem mais do cavalo. Deixei para intensificar esse ano, pois ele já sabia o básico para outras competições de nível menor”, conta. São seis dias de treinos na semana, com o domingo livre para que o bicho “seja cavalo” – e não atleta – passeando no pasto ou descansando em sua baia.
João Victor afirma que, apesar do cavalo não ter o físico excelente como o dos principais competidores, especialmente os europeus, que têm mais tradição em adestramento, ele confia plenamente no desempenho do animal. “Ele tem um coração diferenciado, se doa muito. Sei que o que eu pedir ele vai atender. Pode ter menos qualidades que as selas alemãs, mas é um animal mais franco”, defende.
Para ter esse grau de intimidade, João Victor fica com o cavalo quase o dia todo. Leva Xamã para passear, dá recompensas como um carinho ou uma cenoura no fim dos treinos, mas também o repreende quando faz algo errado na pista. “O cavalo tem que gostar de mim, entender que vive bem comigo. Ele não é só uma ferramenta, é uma vida. Ele tem coração, é um atleta. O hipismo não depende só de mim, é em dupla, eu e ele. Preciso que ele queira estar junto e competir ao meu lado”.
No dia da prova é preciso relaxar e manter a cabeça fria. “Procuro ficar sozinho, sentar na beira da cocheira e me concentrar. Nunca fiquei nervoso na montaria”. Já para o Xamã, ele trabalha o psicológico do animal o levando pra caminhar sem montar, puxando-o pelo cabresto. Além do carinho, o atleta de quatro patas tem regalias de gente, como seções de fisioterapia, massagens e quiropraxia, para que tenha o melhor desempenho na pista.
A importância do cavalo
Todos esses cuidados se justificam porque, no hipismo, 70% do desempenho das equipes nas provas dependem do cavalo. Nesse esporte, não basta ser um bom cavaleiro, é preciso que o cavaleiro tenha um bom cavalo. Na comparação com outra modalidade, seria como um excelente piloto de Fórmula 1 sem um bom carro.
Esse é um dos maiores desafios da delegação brasileira: o hipismo, muito caro, é um “nobre desconhecido” no país do futebol. Falta dinheiro para comprar animais que cheguem aos pés (ou às ferraduras) dos cavalos de países como Alemanha e Holanda.

Um cavalo que conquiste uma medalha de ouro vale entre um e três milhões de euros, e para itens básicos como ração balanceada, feno e suplementos, os gastos partem de R$ 1500, podendo chegar até R$ 600 mil mensais se somados a viagens, inscrições em competições e equipe técnica.
“Para as Olimpíadas do Rio de Janeiro vieram os melhores animais do mundo, mas o time do Brasil não tem cavalo desse nível, pois não tem dinheiro, principalmente no adestramento. Existem cavaleiros, proprietários, e cavaleiros proprietários. Mas é muito difícil que um cavaleiro seja dono de um cavalo de milhões de euros. E quanto mais alta a vara [do obstáculo], mais caro o cavalo”, explica Thomas Wolff, presidente da comissão veterinária dos jogos e primeiro brasileiro a integrar a equipe da Federação Equestre Internacional (FEI).
Em alguns casos, os atletas competem com cavalos alugados ou emprestados. Foi dessa forma que Rodrigo Pessoa, o melhor cavaleiro do Brasil, conseguiu seus grandes resultados como o ouro nos jogos de Atenas em 2004, montando Baloubet du Rouet, o sela francesa já falecido que pertencia a um criador português. Quatro anos antes, Pessoa havia montado o mesmo cavalo nos Jogos de Sydney, mas ficou sem a sonhada medalha depois que o animal refugou um salto, numa cena que ficou famosa.
O hipismo, apesar de elitizado, passa pelo mesmo problema de outros esportes: a falta de patrocínio. O investimento em montarias vem quase 100% da iniciativa privada e não é comum por aqui, ainda mais em tempos de crise. “No exterior, o pessoal investe porque sabe que consegue retorno desse dinheiro. Já no Brasil não porque falta a tradição em cavalos e o ambiente econômico para isso. Quando há bons cavalos por aqui, eles são exportados”, argumenta Luis Fernando Monzon, presidente do conselho deliberativo da Sociedade Hípica Brasileira e comentarista na SporTV há quase 20 anos.
“Falta no Brasil divulgação, patrocínio, mídia, e trazer um público diferente. O esporte é muito elitizado, e acaba por não ter formação de atletas de base. Aqui é muito difícil, pois é muito caro e não há estímulo para trazer o público”, complementa Wolff.
O próprio João Victor Oliva vive essa realidade. Seu pai é quem financia seus cavalos, competições e os gastos da sua vida de atleta. “Ele quem banca o negócio todo. Além disso, compito pelo exército militar, já tive bolsa atleta, mas patrocínio não. Falta ajuda, poderia ser melhor. Nosso esporte não é reconhecido, acabamos sofrendo um pouco. O certo é arrumar patrocinador”, conta o atleta.
Para as Olimpíadas, de 2012 para cá o Ministério do Esporte investiu R$ 6,49 milhões no hipismo, sendo R$ 1,6 milhão para salto, R$ 1,84 milhão para o concurso completo de equitação (CCE) e R$ 2,99 milhões para adestramento, todos sob o chapéu do Plano Brasil Medalha, que destinou R$ 1 bilhão para o desenvolvimento de modalidades olímpicas a fim de colocar o país entre os dez países com a maior quantidade de medalhas, independentemente de ser bronze, prata ou ouro.
Chances de medalha
Apesar de ser o maior investimento que o hipismo brasileiro já recebeu, as chances de medalhas não são altas. Na visão de Monzon, “o Brasil, no momento, não tem melhor time de conjuntos de todos os tempos”. Para ele, a briga é por bronze e prata, “o que já seria fantástico, pois qualquer medalha é muito bem vinda, principalmente na competição em casa”.
Entre as provas olímpicas equestres estão o salto, o CCE e adestramento. Das três modalidades hípicas olímpicas, apenas o salto já conquistou medalhas. Foram três: a primeira, por equipe, em Atlanta (1996), quando o time formado por Rodrigo Pessoa, Álvaro Affonso de Miranda Neto, Luiz Felipe de Azevedo e André Johannpeter garantiu o bronze; a mesma medalha foi conquistada novamente pelo mesmo time em Sydney; e o ouro individual de Rodrigo Pessoa em Atenas com o Baloubet du Rouet. Na ocasião, Pessoa tinha levado a prata, que virou ouro após o Comitê Olímpico Internacional desqualificar o campeão irlandês Cian O’Connor pelo dopping do seu cavalo Waterford Cristal.
Nos saltos, o time não está no auge, mas pode surpreender porque os cavaleiros têm um bom “currículo”. “Vai depender de como os cavalos vão chegar, a adaptação. Nisso o Brasil está em igual condição porque a maior parte dos conjuntos treina fora do país, então não haverá nenhuma vantagem em competir em casa nesse ponto”, explica o comentarista.
No adestramento, a modalidade em que o Brasil tem menos tradição e dispõe de pouco investimento, Monzon vê um time muito jovem, mas com bons resultados. “Será bem difícil classificar para as finais, pois é muito forte na Europa”, conta.
Já no CCE a time brasileiro era considerado um possível azarão, por ter apresentado as melhores condições para medalhar. “Eles tiveram um bom desempenho no último Mundial de Hipismo, em 2014, quando ficaram em quinto lugar”, apostou o especialista antes das competições. Entretanto, a equipe terminou a modalidade em sétimo lugar.

Como legado, o evento servirá para destacar o hipismo brasileiro para o mundo. “Qualquer medalha seria bem-vinda na festa em casa, mas acredito que devemos fazer um bom papel sem necessidade e obrigatoriedade de medalha”, diz Monzon.
Mormo
Um fator que poderia “ajudar” o Brasil seria a desistência de conjuntos do alto escalão do hipismo, mas ao contrário do esperado, isso não aconteceu. Até pouco tempo havia boatos de que os cavaleiros estrangeiros não levariam seus principais cavalos por medo da contaminação por mormo, doença transmitida por bactéria e sem cura. Uma montaria do Exército, que fica perto do Centro de Hipismo de Deodoro, no Rio, foi detectada com a doença e sacrificada em abril de 2015.
Para erradicar a zoonose, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que monitora a situação dos 315 animais que vieram competir, iniciou o vazio sanitário em meados de 2015, que só foi quebrado durante o evento-teste em agosto do ano passado, com a participação de 13 montarias brasileiras. Desde então, nenhum animal entrou nas cocheiras do local.
Thomas Wolff enfatizou que eram só fofocas. “Alguns meses atrás cogitaram isso realmente, mas a FEI veio ver os locais das provas e estão com o vazio sanitário bem feito. Fui à Europa em junho e não havia desistências. Se alguma ocorresse, seria por contusões nos cavalos ou por medo do cavaleiro contrair o zika vírus, por exemplo. O mormo está controlado”, explica o presidente da comissão veterinária dos jogos.
Após vistorias para as provas, ele elogiou juntamente com a federação internacional a sanidade do Centro Hípico. “Na pista de cross-country (uma das provas do CCE), não vimos um bicho sequer, nem uma pomba, nem casos de carrapato nos funcionários. Não podemos dizer que está estéril porque sempre há possibilidade, mas está bem controlado”, explica. Desde 2005, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) monitora e trabalha a arena esportiva, e em 2007 o Pan-Americano do Rio ocorreu sem anormalidades, bem como o evento-teste para as Olimpíadas.
Os cavalos da competição contaram com uma grande operação sanitária para preservar a saúde dos animais de elite durante o translado para o Brasil e a estadia no local das provas. Wolff conta que para os jogos é feito o trânsito “de bolha para bolha”, quando os cavalos vêm de ambientes estéreis em voos fretados com o esquema sanitário em dia.
Os equinos e seus insumos importados desembarcaram no Aeroporto Antônio Carlos Jobim, onde foram recebidos por servidores do Sistema de Vigilância Agropecuária, que conferem as certificações veterinárias internacionais (similar a um passaporte) disponíveis em um microchip instalado sob a pele. Depois, os animais seguiram escoltados para o Centro Hípico de Deodoro, onde passaram por mais uma avaliação de conformidade. Se tudo certo, depois dos jogos eles seguirão para cocheiras individuais até a viagem de volta ao país de origem. A logística toda tem o custo estimado em US$ 10 milhões, pouco diante das cifras dos cavalos viajantes que, com certeza, levarão daqui algumas medalhas.


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